quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dona Graça.

   Houve um dia em que viajei. Saí de minha casa para outra casa. De minha cidade para uma ilha. Tão próxima era a pequena ilha esquecida, onde habitavam pessoas também esquecidas. Direitos, saúde e identidade ali não residiam. Faltava humanização.

   Andando pelas águas sujas de encontro a maré da realidade, pude perceber o quanto nossa ignorância e comodismo afetam nossos amigos desfavorecidos. Crianças, mães, senhores, ali precisam ser trabalhadores. Mas o mundo não está precisando de robôs e sim pensadores de vozes ativas. 

  De um pequeno barco eu saio, e em um grande lugar eu marco meus passos, pois cheguei visando o coração. Todavia, minha equipe visava apenas seus próprios olhos. Eu estava ali, ciente do que precisava ser feito e queria que eles também vissem isso. Mas infelizmente meus colegas não conseguiram enxergar além.

   Ao chegarmos surge o choque cultural. Percepção da diferença comportamental e emocional, que foram estabelecidas desde uma roupa fútil até um olhar profundo. O olhar da Graça, se assim posso chama-lá. Não me lembro ao certo o seu nome, mas minha mente arquivou sua sabedoria e seu esforço.

   Mãe de dois filhos, Graça vive com tudo o que pode. Seu único apoio é a sua crença, pois seus filhos já não se permitem sonhar. Eles precisam trabalhar, para com sorte, comer dignamente junto a mãe em sua humilde casa. Todo dia é aquele sufoco nas águas sujas, o barco vai e vem. Assim como seus corpos, que ali nadam e se lavam, enquanto suas mentes banham-se de tristeza e visões pouco perspicazes. 

   O objetivo da equipe era obter dados sobre a saúde local e o estabelecimento daquela unidade médica. Mas você não pode se fechar apenas a isso: Dados. Você precisa ir além. Você precisa sentir como é a vida de quem vive na ilha. Sentir a vida de uma mãe que cria dois garotos sabendo que não pode dar muito a eles. Uma mãe que defende muito os estrangeiros que ali curam, e não se omite diante dos gananciosos que ali agridem. 

   Eu não podia fazer muito por Graça, mas dei algumas roupas e principalmente sonhos. Lembrei-a que tudo pode mudar, que há pessoas que se importam com o sofrimento dos outros e que acima de tudo não ficam de mãos atadas. Ela mostrou-me uma força incrível, não era sozinha. Havia alguém, uma crença ou um pilar. Alguém com quem desabafava, conversava e lhe apoiava. Era o seu Deus. Era ela mesma. 

   O meu dia mudou. Eu vendi sonhos, e ela deu-me sorrisos. Que mulher é essa? Ela pode não ler livros, e até não estudar, mas vive como poucos. Agradece, pede o que realmente precisa e valoriza cada etapa da vida. A cada dia que se passa, fortaleço a idéia de que uma vida boa não está  ligada as coisas materiais e sim a sabedoria do próprio Eu. É um prazer coorelacionar-se com alguém tão digno. Obrigado vida minha, por colocar em meus trilhos experiências tão positivas. Obrigado.  

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