Dizem que um bom texto é fruto de um escritor centrado. Eu concordo e acredito que palavras belas saem de uma estranha elegância interior. É preciso estar tranquilo para passar sabedoria. É necessário ser humano para entender tal...
Às vezes eu não durmo. Unifico o dia e a noite, e assim sigo elétrico em busca de algo. Talvez uma emoção, uma resposta, visão de futuro ou observação profunda. Geralmente enxergo essa intuição, sempre aumentando ou relembrando percepções. E hoje não foi diferente...
O sonâmbulo, então, resolve sair de casa para tomar café. Acompanhado de um livro e um reprodutor musical, cantarola pelo caminho. Ao chegar, aproxima-se esfaimado ao caixa. E na fila do pão acontece o primeiro desentendimento do dia. Funcionária desgastada e senhora impaciente raramente dão certos. Progressivamente, energia negativa espalha-se pelo local e pessoas não equilibradas são afetadas. Logo, os senhores da razão almejam a última palavra, e eu apenas um pão.
Lembrei-me então, de uma percepção: Toda energia emanada, navega e perpetua-se no cosmo. Lavoisier não poderia ser mais objetivo ao afirmar que: ''Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.'' E assim o fiz. Deixei todos que ali estavam, passar-me a frente. A apressada dona de casa era a única à minha frente, e fitou-me os olhos. Ao sorrir, estendi a mão. Porque servir é liderar. E assim o ambiente muda. A senhora reencontrou sua paciência, a funcionária resgatou suas forças e as outras pessoas humanizaram-se, enfim.
Apesar de sozinho, meu café da manhã foi incrível. Melancia, três pães de queijo, café com leite e chantilly. Mas, foi meu livro que mais me alimentou. E eu queria mais indagação, mais percepção. Fui, então, a praça para continuar minha inserção. Estava eu à procurar um banco sereno para minha leitura, quando deparo com a realidade ali exercida. O comportamento não diz tudo, mas revela muito. Podia não ter passarela, mas era um desfile e tanto.
Pude observar vários modelos. Havia a moça e seu pobre cachorrinho, este era apenas um troféu. Seguido de ambos, veio um casal, e a mulher tropeçou. Eu não a culpo por olhar somente para seu parceiro e esquecer de si mesma, mas fico compassivo ao perceber que o homem olha para tudo, menos para sua parceira. Olhou até a cocota, uma jovem cheia de arrogância e futilidade que ali passeava, ou melhor, divulgava-se. Assim como os Johnny Bravo que ali corriam. Os manequins olhavam de modo incomum para mim. Sempre que nossos olhares cruzavam, eles desviavam-se. Acho que eles nunca leram um livro...
Passou-se 5 capítulos e eu decidi que era hora de voltar para minha residência. É fato que as melhores coisas acontecem quando menos se espera. Estava eu, ajeitando meu boné, quando um senhor de cadeira de rodas, guiado por um enfermeiro, encontra problemas em seu meio de locomoção. Eu tinha de ajudar. Nós conseguimos, nos relacionamos. O idoso, apresentava sequelas físicas, mas era dotado de sanidade mental. O jovem profissional cansado, foi beber água de coco. E em uma simples conversinha eu pude perceber algo valioso diante ao senhor que com dificuldade expressava e compartilhara sua vida, em maioria egoísta: o tempo.
O enfermeiro retorna e despeço-me de ambos. Meu dia apenas começou. Assim como a vida ocupada do casal que passeava junto ao filho e seu carrinho. Os três eram os últimos modelos na passarela. O pai, a mãe e o carrinho. Somente um ser humano estava em equilíbrio com sua essência, e assim com as demais. O bebê não só foi o único a não desviar o olhar, como também foi o único líder. Sim, ele sorriu e deu-me a mão. E todos que estavam ao redor serviram. E nesse caso refiro-me a abraços, beijos e carinho. O pequenino era um líder do amor.